Agora que as vacinas contra covid-19 chegam aos postos de saúde, os pesquisadores se voltam para outras questões que surgem juntamente com as variantes do vírus SARS-CoV-19: aqueles que forem imunizados ficarão protegidos de todas as cepas que estão surgindo? Os vacinados poderão desenvolver ou mesmo transmitir a doença? A resposta é: ainda não se sabe.
Cientistas de dezenas de instituições e laboratórios, como os da Pfizer, fabricante da vacina gênica BNT162b2, e da Universidade da Califórnia, que mantém o programa Long-term Impact of Infection with Novel Coronavirus (LIINC), estão agora estudando o papel da vacina na interrupção da chamada transmissão progressiva da doença.
“Existem três coisas que uma vacina pode fazer: impedir que você contraia a doença por completo, interromper a transmissão progressiva e interromper os sintomas”, disse à MIT Technology Review o biólogo e pesquisador de saúde pública e doenças infecciosas Jeffrey Shaman, da Universidade de Columbia.
Grosso modo, existem dois tipos de vacinas: o tipo perfeito (padrão-ouro) provoca o que se designa como “imunidade esterilizante”, ou seja, o vírus não consegue infectar o corpo. Um exemplo desse tipo é a vacina da varíola, erradicada do planeta (em 26 de outubro de 1977 registrou-se na Somália o último caso da doença transmitida naturalmente).
“A imunidade esterilizante significa que você não carrega nenhum vírus. Os anticorpos e a resposta imunológica que você gera o eliminam totalmente do seu sistema”, diz a patologista Dawn Bowdish, da Universidade McMaster.
Carga viral baixa
A consequência de se tomar uma vacina que provoca a imunidade esterilizante é que o indivíduo que a receber não transmitirá a doença para quem não a tomou – diferentemente daqueles que recebem o segundo tipo de imunizante, que permite que as infecções se desenvolvam no organismo, mas de uma maneira leve ou mesmo imperceptível (ou seja, sem sintomas).
Os anticorpos produzidos combatem a infecção, mas ainda assim o indivíduo carrega no organismo certa quantidade do vírus, podendo transmiti-los a quem ainda não é vacinado.
É por isso que, mesmo com a distribuição e aplicação de diferentes imunizantes aumentando progressivamente em todo o mundo, os pesquisadores agora precisam saber se quem os receber será, mesmo vacinado, um vetor da doença.
Isso vai determinar os rumos do combate à pandemia: se máscaras serão ainda necessárias e por quanto tempo; como se comportarão as populações dos países mais afetados; e o grau de confiança sobre os benefícios que as vacinas poderão trazer.
Eficácia via modelagem
Assim que começou a distribuir sua vacina, a Pfizer passou a acompanhar voluntários nos EUA e na Argentina para tentar descobrir com que frequência aqueles que foram imunizados podem desenvolver infecções por coronavírus assintomáticas – já se sabe que alguém que é vacinado não desenvolve a forma grave da doença (aquela que precisa de um respirador em uma UTI), mas não se ainda transmite covid-19.
Enquanto os dados estão sendo coletados, algumas universidades, como a Emory, testaram modelos de computador para medir o efeito das vacinas no bloqueio da transmissão do vírus: a conclusão é que uma vacina boa pode interromper a propagação, mas não a doença – mesmo assim, menos pessoas morreriam, porque o surto seria retardado o suficiente para impedir que mais indivíduos fossem infectadas.
Desde o ano passado, o médico e especialista em modelagem computacional aplicada a Saúde Pública e Políticas de Saúde Bruce Y. Lee estuda a eficácia das vacinas contra covid-19. Em um artigo publicado no American Journal of Preventive Medicine, Lee e outros pesquisadores modelaram os impactos dos diversos índices de proteção contra a doença via imunização coletiva.
Os resultados indicaram que, se uma vacina tiver um índice de proteção de 80% e se 75% da população for imunizada, a pandemia de covid-19 poderá ser debelada sem outras medidas como distanciamento social. “Caso contrário, você não poderá contar só com a vacina para voltarmos ao 'normal'”, diz ele, reforçando uma desconfiança geral ainda não comprovada: as evidências até agora sugerem que as vacinas devem reduzir a chance de transmissão, mas não podem eliminá-la.