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Há quase 100 anos, o moinho mostrava a capacidade da engenharia da época
Nilton Pabis

Um recanto da natureza guarda em Guamiranga um elemento em extinção. Quase centenário, o moinho da família Belim resiste ao tempo. Atualmente, encontra-se parado, mas com poucos reparos pode voltar à atividade.

Água Branca é um bairro do município de Guamiranga, distante 10 km da sede. Lá encontra-se o sítio Cachoeira, de propriedade de Zoelzer Belim. Neste local, onde se tem a tranquilidade e o silêncio, onde ainda podemos dizer que “ouvimos a grama crescer”, visitamos um moinho quase centenário. Com roda d’água e engrenagens construídas em madeira, mostra a criatividade da engenharia da época. Era movido pelas águas do riacho que passa no fundo da propriedade. Uma canaleta construída em madeira levava a água até a roda que era o princípio da força.

Foi construído em 1924, na propriedade da família Nogueira, que possuía uma grande quantia de terra na região. Inicialmente, foi edificado para processar os produtos da família, mas já assumiu características de indústria e começou a processar produtos de toda a região. Zoelzer conta que este foi o primeiro moinho de Imbituva, município para o qual Água Branca pertencia na época. O espaço era uma imagem da prosperidade, uma vez que os colonos traziam os produtos para o beneficiamento, na maioria, milho para transformar em fubá, e arroz para ser descascado. Mais tarde, também, foi montado uma estrutura para moer o trigo, mas já com uma máquina polonesa a motor.

O moinho é todo produzido em madeira, com algumas peças em metal, como eixos e arremates. Em tudo, muito encaixe.

Algum tempo após o início das atividades, Pedro Moloto, assumiu o moinho. O cilindro para moagem de trigo foi montado por José Alceu Belim, o popular Jeca, que em 1961 comprou a propriedade onde estava o moinho e mais 80 alqueires de terra na localidade de Pico do Amor (origem do nome em lenda indígena). Desde esta época, o moinho permaneceu na mesma família, onde funcionou até meados da década de 80.

Quem conta a história é Zoelzer Belim, que chegou à propriedade com apenas oito meses e ainda mora no mesmo lugar. Na juventude, Zoelzer também tocou o moinho e guarda boas recordações. Uma delas é ver a fila de carroças que se formavam quando os colonos vinham trocar os produtos. Isso foi no auge dos trabalhos do moinho. “Nesta época era cobrado 30% do produto beneficiado”, conta Zoelzer.

O moinho é todo produzido em madeira, com algumas peças em metal, como eixos e arremates. Em tudo, muito encaixe. No restante, era todo de madeira, o que mostra a capacidade de criatividade e montagem da época. O construtor foi Antônio Buzato que “mesmo sem formação, e apenas com a prática, se mostrava grande engenheiro na época”, disse Zoelzer. A parte da moagem é composta de uma pedra fixa e uma móvel de 1,10 m, que compõe o moedor que é girado pela roda d’água. Após moído, o milho era transportado para um cilindro de metal dentro de uma caixa de madeira onde eram separados os tipos de fubá. Segundo Zoelzer, o fubá produzido na moagem com pedra dá outro sabor. O atrito das pedras esquenta o milho, proporcionando um sabor mais marcante no preparo da polenta.

Já na parte do trigo, o silo era de madeira, todo feito de encaixe, uma vez que prego era pouco usado. O silo era repartido em quatro espaços e os comandos de abertura eram por meio de cordas. O trigo era processado por uma máquina de origem polonesa de marca A. Kryzel i J. Wojakowski[FR1] e importado por Isaac Mehler, que ainda está no local. Após moído, era separado para o envase. Belim conta que, devido à rusticidade das máquinas, se exigia muita criatividade para solucionar os problemas cotidianos que se apresentavam.

Zoelzer era filho único de Jeca e herdou o moinho. Atualmente, o local não é aberto à visitação. Mas o lugar que o envolve é composto de um potreiro de gramado, povoado por araucárias e outras árvores nativas, cortado pelo Rio Ribeira que nasce terra acima e movimenta tudo. Ao fundo, o galpão em madeira com o moinho. Com a última grande enchente, o moinho parou em definitivo, uma vez que, o grande volume d’água causou muitas avarias na estrutura. Mas a estrutura que lá completará 100 anos, em 2024. Construída com pinheiro de cerne, resiste ao tempo e a tudo. Da janela do galpão, a vista incrível para a cachoeira e o sol que se põe fazem o tempo parar.

UM TESOURO À PARTE

Zoelzer também mostrou um tesouro em particular. Jeca, além de agricultor e de tocar o moinho, nas horas vagas era marceneiro de mão cheia. Italiano, tinha gosto pela organização e pela qualidade dos seus equipamentos. Deparamo-nos no seu ateliê, onde trabalhou até momentos antes de sua morte, com uma variedade de equipamentos raros. Formões, cerras de arcos, prensas e ferramentas feitas exclusivamente para o seu uso com um capricho incomum. Foi ele que produziu a sua própria mesa de marceneiro. A criatividade e o primor dos móveis rústicos, construídos por Jeca, saltam aos olhos. Mas a perfeição é notada nas réplicas das carroças que fazia. Ainda restam cinco que estão em propriedade de Zoelzer junto de uma réplica de “soque de erva” (produto que Jeca deixou inacabado). Nas pequenas carroças tudo funciona. Os freios, os balancins, as grades e o varão, como se apenas tivesse, num passe de mágica, encolhido uma de tamanho natural. Lá no ateliê tudo lembra o seu Jeca, tanto pelas ferramentas e peças mostradas como também pelas histórias, cheias de orgulho, contadas pelo filho Zoelzer.

“Desde que comecei a trabalhar com estas peças me sinto jovem e bem disposto”, José Alcir Belim, aos 83 anos, trecho publicado na revista da Caminhos do Paraná.

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