Leticia H. Pabis
Há uma certa poesia em ver um herói que carrega o mundo nas costas parar tudo para salvar um esquilo. E é com esse gesto quase cômico, mas profundamente simbólico, que Superman (2025) nos apresenta à sua nova versão do homem de aço. Não é sobre força, nem sobre glória, e sim sobre escolhas. O diretor James Gunn entende que, antes de qualquer coisa, o Superman é um personagem que decide ser bom, e essa decisão, em um mundo que desconfia da bondade, soa revolucionária.
Na pele de Clark Kent está David Corenswet, que não tenta ser nem o mártir de Zack Snyder nem o cartum romântico de Christopher Reeve, e traz um Clark suave e gentil, e até mesmo deslocado. E isso, longe de ser defeito, se torna uma potência para a construção do personagem. O Clark que vemos aqui é um jornalista, filho, namorado, imigrante, e tudo isso importa, porque pela primeira vez em muito tempo, o herói parece mais humano do que super.
Ao lado dele, Rachel Brosnahan entrega uma Lois Lane que é tudo o que sempre deveria ter sido: afiada, charmosa, sem tempo para enrolação. Os dois têm química de sobra, mas não se resumem a romance, e o que começa como algo quase unilateral por um Clark emocionado, vira parceria, o tipo de dupla que se apoia sem precisar de cena dramática para provar isso.
Já o vilão da vez é Lex Luthor (Nicholas Hoult), que vem ainda mais paranóico. Um homem obcecado por controle, por tecnologia, e pelo medo de perder a centralidade do poder que possui sobre o governo e, claro, sobre o Superman. O homem de aço, para ele, é ameaça não porque seja perigoso, mas porque é diferente, uma metáfora clara e incômoda como deveria ser: o estrangeiro que insiste em fazer o bem num mundo que só aceita o que é familiar.
O filme, no entanto, não é só sobre essa rivalidade. Gunn usa essa introdução como porta de entrada para o novo universo da DC que ele planeja construir. E faz isso jogando tudo no mesmo tabuleiro: Hawkgirl, Mister Terrific, Metamorpho, Guy Gardner (vivido por Nathan Fillion com sarcasmo exacerbado, na opinião desta colunista) e até o Krypto, cachorro superpoderoso que basicamente é um carismático vira-lata caramelo (branco) com visão de calor. Funciona? Às vezes sim, às vezes soa como aquele episódio piloto que tenta mostrar demais de uma vez só.
Visualmente, o contraste com o Snyderverso é gritante. O céu agora tem cor. A roupa do herói não parece estar sempre molhada. O mundo tem sol, e isso faz diferença para quem está deste lado da telona. Gunn abraça a estética dos quadrinhos com carinho e sem vergonha, criando um filme que beira o lúdico, deixando o épico sombrio de lado, é uma aventura que não tem medo de ser encantadora. E talvez por isso mesmo tenha virado alvo.
Como era de se esperar, as críticas mais raivosas vieram dos mesmos lugares de sempre. O filme foi chamado de “woke”, termo usado (e deturpado) para deslegitimar qualquer obra que fale sobre inclusão, empatia ou representatividade nos dias atuais do mundo geek. Woke, no inglês, originalmente significa alguém “acordado” para questões sociais, mas acabou sendo usado por grupos conservadores para atacar tudo o que não se alinha a uma visão mais rígida do mundo. Gunn, porém, não recuou e fez de seu Superman uma figura política não porque discursa, mas porque age. O que se tornou certeiro para o cenário político atual. Clark Kent não é um salvador divino, é alguém que insiste em cuidar mesmo quando ninguém mais se importa.
A recepção espelha essa divisão. 83% no Rotten Tomatoes entre a crítica, 93% entre o público. Corenswet já é apontado como o melhor Superman desde Reeve, embora alguns acusem o filme de ter subtramas demais e profundidade de menos. É justo, mas em partes. O filme realmente poderia respirar mais, focar em cada coisa de uma vez. Mas talvez isso faça parte da proposta: este não é um fim, é um (re)começo.
Superman (2025) não resolve tudo. Não tenta ser perfeito, mas oferece algo raro em um mundo que prefere ironia ao idealismo: esperança. E faz isso sem pedir desculpas. Porque sim, o herói que se abaixa para salvar um esquilo talvez seja exatamente o que a gente precisava agora.