Irati PR, 19:01, 24°C

Celebração que nasceu como ritual de fim de colheita se tornou um dos maiores símbolos da cultura americana e se espalhou pelo mundo
Foto: Folha de Irati.

Leticia H. Pabis

Outubro chegou e traz consigo a chamada “spooky season” (temporada assustadora), expressão que traduz o clima de mistério e fantasia que envolve o Halloween. Celebrado em 31 de outubro, o Dia das Bruxas é hoje uma das maiores tradições culturais dos Estados Unidos, marcado por fantasias, abóboras iluminadas, decorações temáticas e pela famosa pergunta feita pelas crianças nas portas das casas: “Doce ou Travessura?”. Mas sua importância vai além das imagens populares. Nos Estados Unidos, a festividade é considerada um dos principais eventos culturais do calendário anual, reunindo famílias, comércio e comunidades em torno de práticas que dialogam com a memória, a religião e a cultura de massa.

A história do Halloween remonta ao festival celta conhecido como Samhain, realizado no fim do verão para marcar a transição da colheita para o inverno. Era um momento em que se acreditava que o limite entre o mundo dos vivos e dos mortos se tornava mais tênue, permitindo a presença de espíritos na Terra. Para afastar os maus presságios, fogueiras eram acesas e disfarces eram usados pela população, em uma tentativa de confundir e espantar as assombrações. Essa prática, que unia religiosidade e costumes comunitários, acabou influenciando tradições posteriores.

No século VIII, o Papa Gregório III instituiu o dia 1º de novembro como Dia de Todos os Santos. A data acabou absorvendo elementos do Samhain, e a noite anterior passou a ser chamada de “All Hallows Eve”, ou Véspera de Todos os Santos. Ao longo dos anos, a expressão foi simplificada até se tornar Halloween. A fusão de práticas pagãs e cristãs consolidou a ideia de que esse período do ano representava um contato entre mundos, tradição que sobreviveu ao tempo e ganhou diferentes adaptações.

A chegada do Halloween aos Estados Unidos está ligada ao movimento de imigração, sobretudo de irlandeses e escoceses no século XIX. Esses povos trouxeram costumes como o guising, em que crianças se fantasiavam de criaturas mágicas ou assustadoras e visitavam casas pedindo comida ou dinheiro. A prática se aproximava do atual “Trick or Treat”, traduzido como “Doce ou Travessura”. Outra possível influência veio da tradição germano-americana do belsnickeling, celebrada no Natal, em que pessoas mascaradas visitavam casas e recebiam guloseimas se não fossem reconhecidas. A soma dessas práticas ajudou a formar o que hoje é considerado um dos símbolos centrais do Halloween moderno.

Com o passar do tempo, a festa foi se moldando ao contexto cultural dos Estados Unidos. O Halloween se consolidou como uma celebração comunitária, capaz de mobilizar bairros inteiros em torno de atividades coletivas, além de impulsionar o comércio de fantasias, decorações e doces. As abóboras iluminadas, conhecidas como Jack-O’-lanterns, se tornaram parte da paisagem outonal, simbolizando não apenas a tradição, mas também o aspecto lúdico da festa. O envolvimento das escolas e a realização de festas temáticas reforçaram a presença do Halloween como parte da vida cotidiana de crianças e jovens, transmitindo a tradição de geração em geração.

A relevância da data no contexto americano se deve também à sua relação com a identidade cultural. O Halloween se transformou em espaço de expressão criativa, em que fantasias vão além das figuras sobrenaturais e abrangem personagens da cultura pop, super-heróis, artistas e ícones midiáticos. É um momento em que diferentes grupos sociais encontram formas de representação e pertencimento, mostrando como uma tradição pode se adaptar sem perder sua essência de encontro comunitário.

A difusão do Halloween para outros países ocorreu principalmente pela influência cultural dos Estados Unidos, reforçada pelo cinema, pela televisão e mais recentemente pelas redes sociais. Filmes de terror, produções infantojuvenis e campanhas publicitárias ajudaram a popularizar a estética da data em lugares que não têm relação direta com as tradições celtas. No Brasil, o Halloween não se apresenta como um feriado oficial, mas se tornou prática recorrente em escolas de inglês, festas temáticas e produções culturais durante o mês de outubro. Fantasias, decorações e maratonas de filmes de terror passaram a integrar o calendário de atividades de diferentes públicos, ainda que sem a mesma ligação comunitária vista nos Estados Unidos.

Esse processo de adaptação mostra como o Halloween se transformou em um fenômeno cultural global. Cada país absorveu elementos que mais dialogam com suas práticas sociais. Em alguns lugares, ganhou caráter mais comercial, já em outros se tornou oportunidade para celebrar o imaginário do terror e da fantasia. O ponto comum é a capacidade de reunir pessoas em torno de símbolos que, mesmo tendo origens religiosas e agrícolas, atravessaram séculos para se tornar parte do cotidiano moderno.

O Halloween, ao mesmo tempo em que preserva traços de sua origem, revela como tradições são moldadas pelo tempo e pela influência de diferentes culturas. Nos Estados Unidos, permanece como um dos eventos mais marcantes do ano, articulando comércio, lazer e identidade cultural. Em outros países, assume formas variadas, mas mantém a ideia de descontração coletiva, mostrando que o que nasceu como ritual de passagem agrícola se tornou um dos mais fortes exemplos de tradição reinventada ao longo da história.

Leia outras notícias