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No Brasil, os 15 anos de uma lei nascida do sonho e do protagonismo de uma jovem advogada

Esse é o resgate de uma história sobre cidadania, construída a partir da fórmula: sonho + protagonismo. Há exatos 20 anos, eu recebia em minha vida Boris – meu primeiro cão-guia. Era abril de 2000 e havia apenas meia dúzia desses cães no Brasil. Eu tive de esperar muitos anos para realizar esse, que era um sonho de infância. Aliás, esse era um sonho de liberdade, de ampliar horizontes, fazer escolhas, viver para desenvolver potencialidades em lugar de reclamar ou destacar limitações. Você pode ser protagonista. Foi, certamente, o maior legado que meus pais me deixaram.

Pouco antes de eu receber meu cão-guia, ouvi – de inúmeras pessoas –, o alerta de que eu deveria pensar em desistir dessa ideia, que o Brasil não estava pronto para isso, que não tínhamos leis e que eu enfrentaria grandes dificuldades. Minha resposta era, na verdade, uma pergunta. Como algo ficará pronto sem que alguém atue ou comece o processo; alguém que ponha a mão na massa? E essa pergunta se agitava dentro de mim como uma grande onda que ou leva o sonho para lugares inimagináveis, ou passa por cima dele, fazendo-o morrer; desaparecer. Escolhi surfar essa onda, segurando firme em meu sonho. O resto, é história!

Costumo dizer que minha vida se divide em AB e DB, antes e depois do Boris. Ele, assim como Diesel e Sophie – respectivamente meu segundo e minha atual cão-guia –transformaram minha vida, trazendo tanta liberdade, felicidade e gratidão, que quis compartilhar tudo isso com outras pessoas. Neste 2020, também estamos celebrando 15 anos da aprovação da lei federal que autorizou o livre acesso dos cães-guia a locais públicos, privados de uso coletivo e meios de transporte.

Aquelas pessoas que me alertaram sobre as dificuldades estavam mesmo certas, mas só sobre o início dessa história. Logo de cara, tive de enfrentar um grande processo judicial contra o Metrô de São Paulo – que tentou impedir meu acesso com Boris em suas dependências. Entendi que, mais do que poder ou não andar de metrô com Boris, o que estava em jogo era a própria cidadania, a dignidade que toda pessoa tem; direito de poder fazer as próprias escolhas. Entendi, também, que era uma briga na qual eu não poderia entrar sozinha. Convidei muitos amigos e conhecidos; depois, desconhecidos. O desafio, a cada um, era entrar comigo naquela empreitada. Mobilizando imprensa, Ministério Público, Judiciário, Legislativo e cidadãos, transformamos Boris em um ícone da cidadania.

Vencemos o processo contra o metrô, por unanimidade; trabalhamos para que uma Lei Estadual fosse aprovada em São Paulo, em 2001. E, tenho enorme orgulho e alegria em comemorar 15 anos da Lei Federal que estendeu esse direito para as pessoas, em todo o Brasil. Lembro-me de uma cena muito marcante, eu estava em um ponto de ônibus na Rua Líbero Badaró e uma pessoa, que passava por lá e tinha visto minha história na tevê, aproximou-se e pediu um autógrafo. Inicialmente eu fiquei meio constrangida. Então, ele me disse: sabe, você nos ajudou a lembrar que podemos transformar as coisas com as quais não concordamos. E é esse o principal ponto e destaque dessa minha história. Sim, por intermédio de uma cidadania protagonista, nós podemos ser agentes de transformação.

Não tem lei? Vamos fazer e ter. Tem lei e não está sendo cumprida? Vamos denunciar, exigir, fiscalizar. Não está bom? Vamos trabalhar duro para melhorar. O Estado, o mercado, o governo, as instituições são apenas ficções jurídicas. A única coisa que existe de real são pessoas; somos nós, nossas ideias, nossos sonhos, nossa capacidade de nos conectar com outras pessoas, para que nos ajudem a realizar nossos sonhos. E, claro, para que nós possamos ajudá-las a realizar os delas também. Eu acredito no ser humano e, acima de tudo, acredito na potência da conexão de sonhos e pessoas. Quero celebrar esse Dia Internacional do Cão-Guia agradecendo e parabenizando todos os voluntários, agentes políticos, empresas, instituições, jornalistas, pessoas com deficiência que também brigaram por esse direito. Juntos, nós transformamos a realidade e essa é só uma pequena amostra do que a cidadania protagonista pode fazer.

Por fim, quero convidar todos para conhecerem o incrível trabalho do Instituto Magnus, que está transformando em realidade o sonho de muitas pessoas com deficiência visual, por intermédio do treinamento e doação de cães-guia. www.institutomagnus.org

Thays Martinez

Nascida em São Paulo, em janeiro de 1974, Thays Martinez é formada em Direito pela Universidade de São Paulo (USP). A advogada e palestrante possui especialização em Direito Penal e em Interesses Transindividuais; e MBA em Marketing de Serviços. Deficiente visual desde os quatro anos, Thays foi conselheira do Conselho Nacional de Assistência Social e membro da comissão de Direitos das Pessoas com Deficiência da OAB. Voluntária de Relações Institucionais do Instituto Magnus, a advogada é consultora e ministra palestras em empresas (públicas e privadas) e em estabelecimentos de ensino, abordando temas como motivação, mudança, inovação e superação; Direito; acessibilidade; e inclusão social. É autora do livro "Minha vida com Boris – A comovente história do cão que mudou a vida de sua dona e do Brasil (Globo Livros)" e idealizadora do projeto “Heróis à Vista”.

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