Leticia H. Pabis
Existe uma mudança evidente na forma como a Marvel tenta se reinventar depois do esgotamento da era dos super-heróis que culminou com o encerramento da saga Ultimato. A aposta atual é clara: o heroísmo não é mais uma questão de força descomunal ou batalhas épicas, mas sim da dimensão humana dos personagens. Em O Quarteto Fantástico: Primeiros Passos, essa transformação é simbolizada pelo instinto maternal de Sue Storm, que se torna o eixo emocional da narrativa. E funciona, principalmente graças à performance intensa de Vanessa Kirby.
Kirby entrega uma atuação que se destaca pelo equilíbrio entre sensibilidade e firmeza. Ela não é apenas o coração do filme, mas a força motriz que sustenta a história. Sua Sue Storm grávida representa um dilema genuíno: o conflito entre salvar o mundo e proteger a vida que está por vir. Essa dualidade dá profundidade à personagem, que se mostra mais humana e próxima do público, algo raro em um universo que muitas vezes privilegia o espetáculo em detrimento da emoção.
Em contrapartida, Pedro Pascal, interpretando Reed Richards, não alcança essa mesma densidade. O personagem, que deveria ser o cérebro e líder do grupo, transmite insegurança e falta de comando. A ausência dessa força central cria um desequilíbrio no elenco e fragiliza o impacto da narrativa. Ainda que Pascal seja um ator competente, o roteiro não lhe oferece espaço para desenvolver a complexidade necessária ao papel, especialmente considerando que Reed Richards está cotado para um papel importante no futuro do MCU (Marvel Cinematic Universe).
A química do quarteto, no entanto, é um ponto positivo claro. A interação entre os atores parece genuína, e essa sintonia se reflete tanto nas cenas quanto nas entrevistas durante a divulgação. Essa conexão sustenta o filme, oferecendo autenticidade e carisma mesmo quando há falhas individuais no desempenho. Joseph Quinn, como Johnny Storm, apresenta uma versão mais contida e madura do personagem, o que contrasta com a energia mais impulsiva da versão anterior, interpretada por Chris Evans. Ele carrega uma emoção reprimida que cresce ao longo do filme, conferindo uma nova dimensão ao Tocha Humana.
Ebon Moss-Bachrach, como Ben Grimm, traz um Coisa que foge do estereótipo do monstro bruto. Seu personagem é humano, vulnerável e até sensível, apesar dos limites impostos pelos efeitos visuais, que em certos momentos exageram na aparência “animada”, o que tira parte do peso dramático.
Visualmente, o filme aposta no retrô-futurismo, com carros flutuantes, arquitetura que remete aos anos 1960 e uma estética que evoca diretamente as raízes dos quadrinhos. Essa escolha estilística cria uma identidade própria, distinguindo Primeiros Passos de outras produções do MCU. A trilha sonora de Michael Giacchino merece destaque extra especial. Ao contrário de muitas composições que servem apenas como pano de fundo, aqui a música amplia a emoção das cenas e contribui para a construção do clima, talvez sendo uma das melhores trilhas originais que a Marvel já teve nos últimos anos.
A introdução da Terra 828, universo paralelo ao MCU tradicional, é outro acerto do filme. O roteiro apresenta essa nova realidade com clareza e charme, evitando confundir o público. Essa abordagem amarra elementos do passado e do presente e prepara o terreno para os próximos capítulos. A primeira cena pós-créditos reforça essa aposta ao abrir portas para o que está por vir, deixando claro que há uma direção bem definida.
Porém, é importante destacar que as cenas pós-créditos não respondem totalmente à expectativa de quem esperava uma conexão direta com o final de Thunderbolts. Essa ausência pode frustrar parte do público que busca uma linha narrativa mais integrada entre os filmes.
No conjunto, O Quarteto Fantástico: Primeiros Passos entrega uma narrativa que, apesar dos tropeços, consegue emocionar ao colocar a família no centro da trama. Essa escolha não é apenas uma mudança estética ou narrativa, mas uma redefinição do que significa ser herói no MCU. Aqui, a salvação do mundo não depende apenas da força ou da glória, mas da decisão consciente de cuidar um do outro, do planeta e do futuro que ainda está por nascer.