Esther Kremer
A violência contra crianças e adolescentes é uma das questões mais graves que estão em pauta e sendo enfrentada pelas famílias e pela rede de proteção na região da Amcespar. Os casos vão desde negligência nos cuidados básicos até abusos sexuais cometidos dentro da própria família ou por pessoas próximas. Apesar de muitos processos tramitarem em segredo de justiça, quem atua diretamente com as vítimas garante que os números são altos e preocupantes.
As estatísticas reforçam a gravidade do problema e, de acordo com levantamentos de dados realizados pelo SINAN (Sistema de Informação de Agravos de Notificação), SIPIA (Sistema de Informação para a Infância e Adolescência), entre outros, o número de casos registrados de violência contra crianças e adolescentes na região são altos, mas não condizem com a realidade e seguem em crescimento.
Em Rio Azul, a secretária de Assistência Social Ghessi Buco alerta para os casos registrados. Em 2024, o município realizou 553 atendimentos de violação de direitos durante todo o ano e, de janeiro à agosto de 2025, os casos já chegam a 554. “O número é crescente, é preocupante. E isso é com base nos registros, se os conselheiros tutelares não registarem os números no sistema, não contabiliza. Por isso, muitas vezes, alguns municípios aparecem com números pequenos, mas há uma falta em alimentar o sistema”, explica.

Foto: Leticia H. Pabis
O juiz James Byron Weschenfelder Bordignon, da Comarca de Rebouças e Rio Azul, explica que os registros de violência contra crianças e adolescentes são mais comuns do que se imagina. A diferença é que, por questões legais, esses processos não chegam à mídia. “São situações recorrentes. O problema não é a Justiça deixar de agir, mas sim os casos que não chegam até nós. O silêncio ainda é o maior obstáculo. Quando há denúncia e provas, os casos andam, há depoimento especial, há acompanhamento psicológico e punição dos agressores”, afirma.
Conselho Tutelar: a primeira porta de entrada
No município de Irati, o coordenador do Conselho Tutelar, Thiago Gorte, lembra que o órgão foi criado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) justamente para desburocratizar o acesso à proteção. “O Conselho não é um espaço de punição, como muitos acreditam. Infelizmente, ainda é usado por pais como forma de ameaça, o que faz crianças chegarem com medo. Mas estamos aqui para defender e garantir direitos, não para reprimir. Nosso trabalho é proteger”, explica.
O Conselho Tutelar tem autonomia para requisitar serviços, encaminhar vítimas para atendimento especializado e acompanhar os casos junto ao Ministério Público, Judiciário, CREAS, escolas e unidades de saúde. “Somos representantes da criança nesses espaços, garantindo que ela não fique desamparada”, reforça Tiago.
As formas de violência mais comuns
As situações mais registradas nos Conselhos Tutelares da região envolvem negligência, como a falta de vacinação, ausência escolar ou abandono dos cuidados básicos. Mas o índice de violência sexual também preocupa. “A grande maioria dos abusos não ocorre de forma violenta, mas por aproximação e sedução. Em cerca de 90% dos casos, o agressor é alguém da família ou de extrema confiança. Isso dificulta que a criança reconheça que está sendo vítima”, afirma Thiago.
De acordo com a psicóloga Analu Dmucharski, do CREAS de Fernandes Pinheiro, os sinais variam entre crianças e adolescentes. Nas crianças, os indícios podem ser:
• Regressão no desenvolvimento (como voltar a urinar na cama);
• Queda no desempenho escolar;
• Mudanças bruscas de comportamento;
• Isolamento;
• Dificuldades no sono e alimentação;
• Comportamentos sexualizados inadequados para a idade.
Já entre adolescentes, é comum observar:
• Agressividade;
• Automutilação;
• Uso de drogas e álcool;
• Dificuldades de convivência social e familiar;
• Isolamento.
Segundo a psicóloga, muitos casos revelam um ciclo de violência que atravessa gerações. “Pais que foram vítimas acabam reproduzindo com seus filhos. Por isso, além de atender a criança, é preciso trabalhar com a família e com toda a rede de proteção, para quebrar esse ciclo”, observa Analu.
Ela também reforça que o acolhimento é fundamental. “Se uma criança escolheu alguém para confiar, seja um professor, uma merendeira ou um vizinho, é porque encontrou uma figura de segurança. Esse relato precisa ser validado. Não é o momento de interrogar, mas de ouvir com calma e encaminhar para a rede de proteção”.

Foto: Esther Kremer
Justiça mais rigorosa e rede fortalecida
Nos últimos anos, o sistema jurídico endureceu as regras para crimes graves contra crianças e adolescentes. “Hoje, em casos de abuso sexual, o tempo em regime fechado é muito maior, e os critérios para soltura são bem mais rígidos”, explica o juiz James.
Paralelamente, houve avanços na rede de proteção. Atualmente, quase todos os municípios do Paraná possuem Conselho Tutelar e CREAS, centros especializados para atendimento de violações de direitos, e isso facilita no processo de escuta especializada.
Conselheiros, psicólogos e o Judiciário são unânimes em afirmar que garantir os direitos da infância é dever de todos. Casos suspeitos devem ser denunciados ao Conselho Tutelar local, ao CREAS ou pelo Disque 100, canal gratuito e anônimo que encaminha as informações à rede de proteção.
“Não é só responsabilidade do Conselho, da escola ou do sistema de saúde. Está na Constituição, é dever da família, da sociedade e do Estado. Muitas situações só foram solucionadas porque alguém teve coragem de denunciar. Essa é a chave para proteger nossas crianças e adolescentes”, conclui Thiago.