SAMILLI PENTEADO E LETICIA H. PABIS, COM REPORTAGEM DE NILTON PABIS E JAQUELINE LOPES
A vida na estrada tende a ser trabalhosa e, por muitas vezes, solitária. Já dizia Leandro e Leonardo, nesse período a saudade pode ficar grudada no corpo, assim como os rastros dos pneus ficam na estrada por onde passam.
A profissão de motorista e nesse caso em especial, de caminhoneiro, é traçada por inúmeras escolha feitas em prol da necessidade de renda e da continuidade do trabalho. Para o antigo caminhoneiro e hoje empreendedor e proprietário de dois caminhões, Elton Hul, de 44 anos, os meses longe da família significaram um dos períodos mais difíceis da profissão. “Na época, a gente ia porque a dificuldade fazia ir, tinha que ir”, relatou em entrevista à Folha de Irati.
Tendo viajado para quase todos os estados brasileiros, faltando apenas Manaus, como ele mesmo relatou, o prudentopolitano contou sobre a sua trajetória como caminhoneiro. O pai de cinco filhos iniciou como motorista de caminhão ainda jovem, aos 21 anos, mas salienta: “na verdade, foi mais por necessidade. Geralmente a gente procura algo para poder ganhar melhor, na época caminhão era bom. Agora, nem tanto”, explicou Elton.
Além da saudade da família, outros pontos dificultosos podem aparecem no caminho da profissão, até mesmo em uma ação imprescindível como os cuidados básicos com a saúde. “Não tem hora para tomar banho, não tem hora para comer, tem dias que come e tem dias em que você está em algum lugar que não tem o que comer. Correndo risco diário de acidente, de ser roubado, assaltado…”, exemplificou o ex-motorista de caminhão.
Elton é um dos profissionais que já vivenciou todas essas situações. O assalto em questão ocorreu há aproximadamente oito anos, enquanto ele fazia uma parada em um posto de combustível. Dinheiro, celular e outros pertences que estavam na cabine foram levados pelos ladrões que o deixaram no prejuízo. Já com relação ao acidente, foi um tombamento em uma estrada em Salgueiro, Pernambuco, que fez com que o caminhoneiro presenciasse mais um desafio nas rodovias.
Conforme a 7ª Pesquisa CNT Perfil dos Caminhoneiros de 2019, feita pela Confederação Nacional do Transporte (CNT), os assaltos e roubos constituíam a maior dificuldade relatada pelos mais de mil caminhoneiros entrevistados. De acordo com o levantamento, 64,6% dos motoristas de caminhão teriam afirmado que esse era o maior entrave encontrado na carreira.
PANDEMIA
Com o frequente risco do contágio durante a pandemia da Covid-19, a falta de assistência aos motoristas, a demora na vacinação e a necessidade de fechamento de comércios ocasionou em um novo obstáculo na hora das refeições. Se antes o profissional já passava por adversidades, no período marcado pela alta proliferação do vírus esses problemas ganharam ainda mais força. “Teve caminhoneiro que ficou sem comer dois, três dias por estar tudo fechado na beira das rodovias…”, afirmou o ex-motorista que ainda mantém contato com colegas atuantes na profissão.
Assim, mesmo com o desenvolvimento de ações que visam melhorias à população nas estradas, podemos compreender que a profissão de caminhoneiro não segue, muitas das vezes, o mesmo trajeto. Deixando muitos dos profissionais reféns da necessidade de trabalho em uma carreira que, literalmente, move o país, mas que nem sempre é tão valorizada.
NA ESTRADA, A DIFICULDADE DA PANDEMIA
Eraldo Musial é caminhoneiro há 40 anos e é outro exemplo de profissional que não parou por causa da Covid-19. Em entrevista à Folha de Irati, Eraldo conta que “hoje em dia está normal, praticamente normal, no começo da pandemia foi mais difícil, em questão de alimentação, de higiene”.
Por conta dos decretos das milhares de cidades no país, fica complicado para os caminhoneiros encontrarem um lugar para comer ou fazer a higiene , muitas vezes os decretos fecham restaurantes e postos na beira da estrada.
“Mesmo quando íamos em alguma firma descarregar, dentro das cidades, tinha a questão de não ter um bar, uma lanchonete para fazer um lanche, estava tudo fechado, então na questão da alimentação dificultou bastante”, conta o caminhoneiro.
Em questão ao vírus da Covid-19, Eraldo conta que tinha uma rotina diferente para manter a família em segurança. “Eu chegava em casa, tomava banho em um banheiro separado, trocava de roupa e dormia em um quarto separado, para evitar que atingisse as crianças e a minha família”, relatou.
Muitos motoristas autônomos não tiveram a opção de parar durante a pandemia, por trabalharem por conta própria, se parassem não teriam a renda para trazer para dentro de casa, o que motivou muitos deles a continuarem abastecendo o país.
Agora já vacinado, Eraldo conta que já contraiu o coronavírus duas vezes. “Agora é uma questão de tempo de a vacina fazer efeito, então a nossa classe já está mais tranquila então queira ou não queira, a gente fica mais tranquilo, porque o psicológico fica muito abalado”, conta Elton.
Elton ainda fala da esperança de uma população vacinada, para que a preocupação e o psicológico possam relaxar.
“Para quem gosta da profissão, não tem coisa melhor. A pessoa não pode entrar nisso pensando no dinheiro e no turismo, pode ir para a cidade mais turística, mas tem que focar no trabalho. Eu adoro ser caminhoneiro, para mim não tem coisa melhor, são muitas histórias, muitas amizades e sempre conhecendo gente nova”, finaliza Elton.
NO INÍCIO
Ângelo Pires da Silva, mais conhecido como Zabézinho, é pai de dois filhos e motorista de caminhão há 21 anos. Natural de Prudentópolis mas criado em Irati, ele faz a rota do sul para o norte, nordeste pelo menos duas vezes por mês e nos conta como foi trabalhar no período inicial da pandemia. “Foi complicado no começo, os restaurantes não abriam, conveniência também não abria, a gente não sabia se ia ter o que comer, chegava nos lugares tudo fechado, mais pra frente começaram a vender marmitas, mas todo mundo naquele medo”, relata Ângelo.
Naquele tempo, o medo de não saber de onde vinha a doença e como se transmitia pairava entre muitas pessoas. “Ficamos naquele impasse, no mesmo medo que a população estava, medo de chegar em casa com essa doença, transmitir para alguém, causar um dano maior”, conta o motorista.
Em relação aos cuidados necessário, Zabezinho conta que no começo “o povo das estradas não acreditava, ‘motorista não pega’, eles diziam. Quem tinha mais medo eram as famílias, entravam nos restaurantes de máscara, mas a maioria das pessoas não usavam”.
Hoje em dia, a situação é diferente, o país já ultrapassa 545 mil mortes por Covid-19 e mesmo com a vacinação os cuidados continuam. “Vivendo com esse medo hoje já não tanto porque estou vacinado, tenho uma garantia à mais, mas continuo me cuidando, usando máscara, passando álcool gel, lavando as mãos, me cuidando e tentando proteger os outros”, expõe Ângelo.
Já Emerson Nunes, conhecido como Cheiro nas rodovias, é caminhoneiro há 37 anos e hoje trabalha com o transporte de material higiênico e de limpeza de Três Barras, em Santa Catarina, até Porto Velho, Rondônia. E direto de lá ele concedeu à Folha de Irati uma entrevista, onde ele conta como é ser caminhoneiro na pandemia. “A pandemia nos pegou de surpresa, prejudicou um pouco os transportes, muitos amigos infectados, temos que ter um devido cuidado ao chegar em casa e evitar de transmitir o vírus para a família, que é um medo que a gente tem. Usar máscara, usar álcool gel, lavar bem as mãos e evitar contato com outras pessoas nas estradas, apesar de ter contato com frentista, caixa de posto, borracheiro, são a chave para não levar o vírus para casa”, relata Emerson.