Por Augusto Borges, Cibeli Grochoski e Wallas Jefferson de Lima
Por ocasião das comemorações do centenário do Colégio Estadual Cívico-Militar
Duque de Caxias tivemos uma agradável surpresa. Ao longo de 100 anos a escola passou por
vários processos de transformação e revitalização em sua estrutura física. Durante uma dessas
intervenções, alguns objetos foram retirados do lugar e esquecidos temporariamente. Dentre
tais objetos se encontrava um verdadeiro tesouro. Jazia em uma prateleira, no almoxarifado
da escola, uma placa em alto relevo do grande artista paranaense João Turin. A placa, em
bronze, traz consigo inúmeros elementos da cultura paranaense. Suas bordas, direita e
esquerda, ostentam folhas de erva-mate e sementes de pinhão em tamanho real. Os cantos
superiores apresentam duas hastes de trigo, sendo a borda superior decorada com três pinhas
da araucária adornadas com suas folhas em formato de espinhos. O centro, tema da placa,
destaca a figura de Manoel Ribas, político paranaense que esteve à frente do Estado por treze
anos como “interventor”, entre 1932 a 1934. Foi governador entre 1935 e 1937 e, novamente,
“interventor” de 1937 a 1945.
Enquanto a catalogação de alguns documentos (dentre eles as plantas da escola)
aconteciam, a placa chegou às mãos do professor Wallas Jefferson de Lima através das
agentes Sandra Mara Gonçalves dos Santos e Suzana Aparecida Freitas de Oliveira. Essa
(re)descoberta foi um evento emocionante. Quem iria imaginar que nossa escola guardava
uma peça tombada pelo patrimônio histórico do Paraná?
Talvez uma mini-biografia do artista permita a compreensão plena de sua
importância histórica: nascido a 21 de setembro de 1878 em Porto de Cima (Morretes), João
Turin refletiu a imagem genuína do ofício de seu pai, o imigrante italiano Giovanni Battista
Turin. Aos 9 anos muda-se para Curitiba, onde inicia sua iniciação artística precoce,
favorecida pela proximidade do pai com a arte da forja, por sua inclinação cultural e pelo
empenho da família. Desde 1890, o então menino João, por força de circunstâncias
economicamente desfavoráveis, dedica parte de seu tempo ao aprendizado da marcenaria e da
tornearia. A amizade com o italiano Lorenzini o colocou frente a frente com o entalhe em
madeira.
Em 1895, João Turin ingressou na Escola de Artes e Indústrias do Paraná, em
Curitiba. Em 1905, com o apoio de bolsas de estudo concedidas pelo Governo do Paraná,
seguiu para Bruxelas, Bélgica, para estudar na Real Academia de Belas Artes que, na época,
era um dos mais renomados centros de formação artística da Europa. Ao concluir seus
estudos em 1909, permaneceu em solo europeu, visitando países como Itália, Holanda,
Espanha, Portugal e, por fim, a França, onde residiu por dez anos. Na capital francesa expôs
algumas vezes no Salon des Artistes Français recebendo, em 1912, menção honrosa pela
obra “Exílio”. Com o início da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), as encomendas para o
artista diminuíram. Apesar disso, ele teve a oportunidade de conhecer personalidades
notáveis, como Rodin, Modigliani, Isadora Duncan e até Claude Debussy para quem fez uma
efígie em baixo-relevo.
Ao retornar ao Brasil, em 1922, Turin trouxe consigo uma sólida formação que lhe
possibilitou desenvolver um estilo próprio, mesclando influências clássicas com temas
regionais. Suas obras incluem monumentos, estátuas, bustos, relevos, além de pinturas,
cerâmicas e ilustrações. João Turin viveu grande parte de sua vida em Curitiba, onde atuou
como artista e professor. Apesar de ter conquistado certo reconhecimento em vida, foi
somente após a sua morte, em 1949, que seu trabalho começou a receber o devido valor,
sendo redescoberto por novas gerações de críticos e estudiosos. A riqueza de seu legado
artístico, marcada pela representação fiel da fauna brasileira e por suas esculturas de grande
impacto visual, o tornou um dos artistas mais reverenciados do Paraná.
Após sua morte, houve um longo período em que muitas de suas obras ficaram
esquecidas até que, nos anos 1970, o Estado começou um processo de recuperação e
preservação de sua produção: em 2014, o Museu João Turin foi inaugurado em Curitiba, com
o objetivo de preservar e expor o acervo de suas obras. Turin é considerado uma figura
fundamental no desenvolvimento das artes plásticas no Brasil e, especialmente, no Paraná,
onde sua obra é vista como um símbolo do patrimônio cultural do estado.
Turim, na verdade, foi um dos pioneiros do Movimento Paranista. Visando sanar
dúvidas dos leitores em relação a este conceito, pode-se apontar algumas notas
contextualizantes: no período que pode ser balizado entre 1920 a 1930, ou seja, desde o
começo do governo de Caetano Munhoz da Rocha até o governo de Mário Tourinho, a
cultura paranaense buscou revelar novas tendências de conjunto. Elas podem ser entendidas à
luz da sucessão de afinidades políticas — caso não nos esqueçamos que a “Província do
Paraná” havia sido criada em 1853 — bem como através de uma busca pela identidade
regional no quadro geoestratégico em que o recém-criado “Paraná” se inseria.
Os paranaenses, apelidados de “cidadãos” desde que a República se implantara em
1889, poderiam ter ideia desse espaço que habitavam enquanto comunidade? Que havia
limites do espaço configurável, disso não se tem a menor dúvida: a “Província de São Paulo”
havia sido desmembrada para formar o que hoje chamamos de Paraná. Os paranaenses,
portanto, sabiam que o território era chefiado por um “Presidente de Província”, mais tarde
renomeado “governador” político reconhecido como detentor de autoridade estadual. Mas
seria esse sentimento de pertencer a um povo, algo compartilhado coletivamente? A
identidade logo tornou-se um problema.
Apesar de tudo, a descrição do território paranaense, desde o final do século XIX,
parece dispor de uma imagem desenhada de si mesma. Região essencialmente rural, de
grandes superfícies mal habitadas, o Paraná era o espaço onde convergem realidades
econômicas de primeira grandeza: as araucárias, a imbuia, o cedro e o pinhão acrescentam à
identidade local um orgulho próprio. Os “Campos Gerais” tornam-se vitrines de terras belas e
férteis. Os planaltos e os arenitos coincidem com a louvação a uma terra que tenta passar a
imagem de grandeza. Os rios, por fim, inserem-se nessa intenção de mostrar uma entidade
destacável e diferenciada do restante do Brasil. As Cataratas do Iguaçú, é claro, são ainda
hoje uma marca da identidade paranaense.
São estes os aspectos que, a priori, deságuam no “paranismo”, movimento artístico
que parece impor certa homogeneização cultural. A concepção organicista desse movimento,
em que pese sua importância histórica, já tem sido questionada nos dias atuais pelos
historiadores: no fundo, ele teria contribuído para perpetuar estereótipos. O que importa reter,
entretanto, é que estes aspectos culturais devem ser percebidos em conjugação com o
interesse pela renovação técnica, pelo fascínio aos grandes artistas e pela padronização de
modelos estéticos. A pintura, o desenho e a decoração, em geral, buscam dar um panorama
bastante heterogêneo na “terra das araucárias”. A escultura — que João Turin soube tão bem
modelar — introduz paradigmas estéticos inovadores: o marumbi, o luar do sertão, o felino à
espreita, o homem-pinheiro, o “índio”, os heróis da Lapa e o Guairacá são apenas alguns
exemplos. Peculiar simbolismo, a escultura de Turin quer valorizar o regionalismo, conferir
autenticidade local e inspirar novas representações. A origem das atitudes vanguardistas dos
nossos artistas, espelhados no movimento paranista, solidificaram-se no imaginário social.
Possibilitaram, aliás, não só atitudes avançadas em relação às artes como um todo; elas foram
responsáveis, sobretudo, pelo desenvolvimento dos nossos próprios meios de expressão.
Retomar alguns aspectos do paranismo bem como de suas contribuições para a
solidificação de nossa identidade se faz necessário. A placa de Turin retornará ao seu local de
destaque como uma guardiã da porta de entrada do salão nobre da nossa escola. Esse feito já
tem data marcada e ocorrerá com uma aula sobre a vida e obra do grande artista no dia 07 de
novembro de 2024 possibilitando, à comunidade escolar, apreciar não apenas uma obra de
arte mas também um ícone da história do Paraná